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A escuta que acolhe e possibilita aprendizagens significativas

Texto da Alice Proença*

O que é a pedagogia da escuta? Como ela pode impactar nossas escolhas na escola? O que o educador precisa realizar ou desenvolver para se aprofundar nessa pedagogia?

 “Sem emoção, não tem aprendizagem.
É na busca de sentidos, no brilho nos olhos,
que uma criança se preenche de conhecimentos.”
                                                              Alice Proença

A Pedagogia da Escuta sintetiza a abordagem pedagógica e filosófica de Reggio Emilia, cidade referência para a Educação Infantil no mundo. Suas origens se encontram nas ideias de Loris Malaguzzi (1920-1994), articulador dessa forma de ser e estar, presente nas escolas construídas após a Segunda Guerra Mundial na região norte da Itália. A base da proposta está nas relações humanas, em ações compartilhadas que fortalecem a cultura do coletivo, na imagem de criança potente para se comunicar em cem linguagens diferenciadas, capaz de expressar seus desejos, curiosidades e questionamentos diante do mundo que busca compreender.

Crianças protagonistas de suas investigações e interesses requerem adultos igualmente curiosos e disponíveis para entrar em relação com elas e compartilhar propostas projetuais que organizem suas pesquisas em projetos no cotidiano das escolas. Dessa forma, o conhecimento pode ser construído em sucessivas idas e vindas em torno de campos de experiências – ou áreas do conhecimento – que compõem o projeto pedagógico institucional (PPP).

A escuta na abordagem de Reggio Emilia refere-se a uma postura do educador compromissado com as aprendizagens significativas de seus grupos, uma atitude ética e afetiva, que acolhe todos, cada criança na singularidade de seu tempo e de seu olhar diante do mundo, suas famílias e toda a equipe da instituição. Trata-se de um convite a todos à participação e ao envolvimento com o trabalho realizado no cotidiano.

Escutar é um verbo ativo, que vai além de uma simples audição…

“(…) representa ouvir o pensamento – ideias e teorias, questões e respostas das crianças e dos adultos; significa tratar o pensamento de forma séria e respeitosa; significa esforçar-se para extrair sentido daquilo que é dito, sem noções pré-concebidas sobre o que é certo e apropriado.” (Rinaldi, 2012:43)**

Ao entrar em relação com seus grupos, e com cada criança em especial, o educador se abre à observação do que de fato vê, ouve, percebe e sente, para elaborar seus registros escritos, imagéticos, gravados, entre outras possibilidades, a fim de dar continuidade aos seus planejamentos diários, contemplando articulações com os projetos em ação e o PPP da instituição. Com esse olhar, mostra às crianças a curiosidade que tem pelas brincadeiras, comentários e pesquisas que elas fazem no dia a dia para descobrirem o mundo ao qual pertencem. Portanto, a escuta é uma forma de compartilhar interesses em comum, fortalecer a autoestima do grupo e a participação de todos.

Malaguzzi destaca as cem linguagens da criança para se comunicar e se apropriar do mundo, todas elas igualmente significativas e potentes: o corpo e o movimento, o brincar, a literatura, a música, a arte, entre tantas outras, que podem ser articuladas entre si nos projetos em ação, desafiando os educadores a construírem oportunidades de pesquisas das perguntas e hipóteses das crianças em contextos de investigação com todas elas. Para isso, é preciso um olhar sistêmico e interdisciplinar para os currículos em ação.

Segundo Christian Dunker (2019), a habilidade socioemocional que condiciona todas as outras é a escuta. Escutar é sair de si, despojar-se de sua posição de autoridade e de poder, ir ao lugar do outro, ver as coisas do ponto de vista do outro, reconhecê-las em si, ser afetado por isso e fazer algo. Em um exercício de empatia, juntos, educadores e crianças descobrem novos modos de conviver, de pesquisar e de se apropriar da cultura na qual estão inseridos. Assim, mergulham na possibilidade de aprendizagens significativas.

Ao acolherem a si e ao outro, adultos e crianças vivenciam uma pedagogia que tem em si a possibilidade de fortalecer relações humanas, colaborativas e solidárias, na qual todos juntos podem ensinar e aprender com alegria. Como afirmava Malaguzzi, superando desafios, encantando-se com o inusitado, valorando o cotidiano, em uma busca constante para se apropriar do conhecimento com sentido e maravilhamento.

*Alice Proença é doutora em Educação e Currículo pela PUC/SP; mestre em Didática e Metodologia pela FE/USP; historiadora e fundadora do GEP – Grupos de Estudos sobre Projetos na Abordagem de Reggio Emilia. Autora dos livros: Prática Docente – A Abordagem de Reggio Emilia e o Trabalho com Projetos, Portfólios e Redes Formativas (2018) e O Registro e a Documentação Pedagógica – Entre o Real e o Ideal… o Possível (2022), ambos pela Panda Educação. Professora da pós-graduação do Instituto Singularidades e da Casa Tombada.

**Rinaldi, Carla. Diálogos com Reggio Emilia. Escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2019.

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